O cenário vai mudando lentamente. Os prédios tornam-se mais raros e as casas começas a ter todas a mesma altura, alastrando-se por uma extensão que não consigo adivinhar. Reparo como o ambiente é muito diferente do que estava à espera. Não existe o morro, que os filmes e telenovelas brasileiros nos habituaram a ligar imediatamente à palavra “favela”. Os animais aqui são mais numerosos que nas outras partes da cidade. O chão é em terra batida e os rios de água duvidosa que o atravessam, são muito frequentes. Perguntamos pela N.bhen, presidente de uma ong local e que nos vai levar até às mulheres que cosem os apliques brilhantes nos saris. Indicam-nos uma ruela . Reparo que de ambos os lados da rua principal, existem várias ruas, cada uma mais estreita que a anterior. Estas desembocam noutras vielas e formam um labirinto. Aqui podemo-nos perder de mais que uma maneiras. Passamos por quatro rag pickers, mulheres e homens que recolhem do lixo retalhos que podem ter algum uso e os vendem. Já na ruela, desviamo-nos de duas cabras que tocam com as cabeças levemente uma na outra. Pelas portas abertas, vejo os habitantes da favela, que costuram, penteiam os filhos ou apenas esperam. Por quê, ainda não sei. Talvez nunca venha a saber. Acho que terei muita sorte, se assim for.
Como em todo o lado, a visitante branca é motivo de curiosidade. Já depois de encontrarmos quem procuramos, enquanto nos dirigimos às casas das mulheres que se ocupam da costura dos saris, o nosso grupo vai engrossando lentamente, com mais mulheres e crianças que querem saber quem sou, para onde vou e que faço aqui. Não sinto presenças ameaçadoras e sempre que cruzo o olhar com alguém que não o desvia, a sua cara abre-se num sorriso. Vamos encontrando as mulheres e o cenário parece feito para um filme. No meio das moscas que aqui são mais que muitas, das crianças semi-nuas que assomam às portas, das cabras, das vacas, das galinhas e garnizés, do lixo, da água, dos esgotos e de mais lixo, surgem pendurados de fios que não vejo, enormes panos coloridos. Rosa forte, verde alface, azulão. São estes saris que permitem que as mulheres engrossem o esquelético salário mensal que têm para viver. Explicam-me que os maridos trabalham, mas muitos são alcoólicos e o dinheiro vai para aí. Por cada sari em que trabalham ganham entre 1 e 6 rupias. Num dia conseguem terminar cerca de 15. Nos seus tempos livres. Depois do trabalho fora e dentro de casa. O dinheiro que ganham, é mantido pelo ong num programa de poupanças, permitindo que estas mulheres controlem pelo menos parte do que vão ganhando. Os saris chegam ali como simples panos e saem enriquecidos por lantejolas douradas. A favela exporta beleza.
Havia muito para fotografar. Muitas imagens pobres e belas. Talvez chocantes. Mas para sacar de uma máquina fotográfica no meio de quem sendo tão diferente, tão bem nos recebe, requer muita coragem ou muito descaramento. E eu estou desprovida de ambos.
domingo, 22 de fevereiro de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Goi!!
O teu texto é, literalmente, um murro no estômago... Gostei bastante do último parágrafo!
BEIJOS!!!
olá amiga, como sempre brinda-nos com um excelente texto! Entendi, porque também o sinto, não tenho nem a coragem nem o despreendimento necessário para fotografar aquilo que aqui vejo!!Mas é incrivel a proximidade de cenários, dois paises tão diferentes e tão iguais!!Ainda não tenho os fim de semana livre para poder criar o meu blog! mas vou cumprir a minha promessa!! Beijos grandes do grande continente africano!!!
Ups! Complicada a situação apesar do mundo multicolor que se costura.
As tuas palavras substituem, na perfeição, o respeito que mantens pelo privado.
Espero ver-te, em breve, de sari...
Enviar um comentário