sábado, 31 de janeiro de 2009

Love Story

Can I ask you a personal question?
Levei algum tempo a reunir a coragem para indagar, mas cheguei à conclusão que devo aproveitar ao máximo a desculpa de ser estrangeira, para cometer todos os faux pas. Quem não arrisca...
Of course!
Is B. your boyfriend?, arrisco.
Silêncio. Mas quando os silêncios são acompanhados de sorrisos, normalmente manifestam uma vontade escondida de falar. Era a segunda vez que estava sozinha com a D. Nestes momentos, entre nós parece criar-se uma atmosfera propícia a confidências. Talvez por ela não ter mais ninguém com quem falar. Talvez por eu estar sozinha e ter saudades do à vontade que só se sente com os amigos. Talvez por sermos ambas diferentes, cada uma no seu contexto, mas com modos semelhantes de colocar pontos de interrogação onde os outros colocam pontos finais.

He is. diz ela a confirmar o que eu já sabia. Tenho outra pergunta tão pessoal como a primeira, mas ela adianta-se. But nothing can happen between us. I am Hindu and he is Muslim.

A nossa viagem de compras, acaba por se tornar numa troca de confidências. Ela tem um peso no peito. Eu sinto falta de ser depositária de segredos. Enquanto caminhamos sem ver nada, pelas ruas apinhadas de roupas berrantes e pulseiras de todas as cores, vou ouvindo o que ela chora a sorrir. Estão juntos há dois anos. Há dois anos que ele lhe confessou o que sentia. Há dois anos que lhe disse que nunca se casaria com ela. A D. acha que pelo menos deviam tentar. Explica-me que na Índia não há uniões de facto. A única maneira de duas pessoas passarem a vida juntas, é casando-se. E o amor que sente dita-lhe que deviam tentar. Falar com os pais de um e de outro. Apresentar argumentos. Insistir. Depois lidar com o resto da família. (Aqui, uma pessoa nunca vem só. Nunca.) A mim parece-me um bom plano de acção. A ele não.

No Gujarate em 2002, houve violentíssimos motins que opuseram hindus a muçulmanos. Não foram os primeiros e provavelmente não serão os últimos, mas foram os mais sangrentos e retorcidos. As feridas ainda não sararam. Os muçulmanos têm o seu bairro. Os que vivem fora dele, ouvem as perguntas dos vizinhos: why are you here? O B. acabou de mudar de casa com a família, farta das perguntas. Estão no bairro. E a D. vai a casa deles amanhã conhecer as novas instalações.

Why should we put our families through that?
é a pergunta que ele lhe faz e para a qual ela ainda não encontrou resposta.

E eu sinto-me num limbo cultural. Não posso dar os conselhos que daria a alguém desse lado do mundo. As regras não são as mesmas. E temer pela segurança da família, parece neste contexto um argumento de peso. Como se lida com o amor nestas latitudes e com todos estes condicionalismos presos por um cordel aos olhares e sorrisos que eles troca diariamente no escritório?

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pormenores

Assim se passa a ferro por cá

A vizinha

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Prenda d' Anos

Ontem tive direito a mais um pedacinho da verdadeira India, que não se revela a turistas nem a visitantes ocasionais, mas apenas a quem tira o tempo para viver aqui. Fui a casa da explicadora de Inglês dos meus vizinhos. Depois de um dia chato no escritório, que me deixou exasperada e cheia de dores de cabeça, caminhamos juntas até sua casa. Pelo caminho eu já estava a explicar como me sentia cansada, a antecipar que podia usar esse pretexto como uma boa desculpa para me vir embora cedo. Caminhamos por umas ruelas e entramos numa casa que pessoas menos bem intencionadas poderiam chamar de barraca. Mas no momento em que transpus a soleira da porta, senti-me em casa. Não consigo explicar. Há lugares que nos afectam assim. Foi uma combinação da iluminação, com as caras das pessoas, as almofadas em cima das camas, os tijolos desirmanados no chão, as traves de madeira... Fez-me lembrar algumas casas das aldeias portuguesas que vão sendo aumentadas conforme a necessidade dos seus habitantes e consoante os materiais disponíveis, sem grandes preocupações estéticas. O irmão mais novo da Explicadora fazia anos. A festa limitou-se a ele receber um pouco mais de comida que os outros. Não houve prendas. Aliás ele é que ofereceu rebuçados aos anciãos da família. E a mim.

Naquela casa com uma só divisão, vivem 5 pessoas. Começo a perceber como é impossivel ter a noção do que é a privacidade que tanto prezamos no ocidente, quando se vive neste ambiente. A mãe, uma mulher sorridente num sari vermelho escuro, não saiu do canto onde está montada a cozinha. Com um fundo de prateleiras cheias de recipientes de alumínio, preparou-nos o lanche e o jantar, sempre com um sorriso nos lábios e sempre em amena conversa. O pai, que chegou uns minutos mais tarde, é um senhor com cabelo grisalho e pele clara, com muitas perguntas e um olhar vivo e interessado. A Explicadora diz que ele é meio médico, porque apesar de não ter uma licenciatura em medicina, tem muitos conhecimentos sobre o corpo humano e está sempre a distribuir conselhos sobre os benefícios do chá preto com gengibre para limpar o organismo, ou os malefícios das posturas erradas ao sentar.

Antes do jantar, fui dar uma volta com a Vandana (a Explicadora) e o Aniversariante. O cansaço já tinha desaparecido completamente e eu usava um sorriso rasgado na minha cara enquanto caminhávamos pelas ruas, que ficam tão perto de minha casa, mas que ainda não me tinha aventurado a explorar sozinha. Fomos a um templo, que fica no jardim de um edifício ainda em construção. O templo é uma sala ampla, em madeira, com umas estátuas muito coloridas no centro e várias fotografias em tamanho grande do santo. Ficamos apenas uns minutos e decidimos caminhar até outro templo, mais elaborado, escondido numa ruela que termina no rio. Este tem uma primeira pequena sala rectangular, com a estátua de uma vaca no centro com cerca de um metro de altura. Segue-se uma salinha circular, com o tecto cheio de desenhos de deuses, feitos a partir de pedacinhos multi-coloridos de um material brilhante. Na direcção do olhar da vaca está uma perquena abertura quadrada na parede. Para passarmos por aí, temos que nos dobrar pela cintura e entramos numa outra pequena câmara circular, onde três homens vestidos à ocidental entoam uns cânticos, enquanto colocam flores num tabuleiro que está suspenso no centro da câmara. Há velas acesas e consigo ver que a minha presença é no mínimo estranha, mas não o suficiente para quebrar a concentração dos zeladores do templo. Saimos por uma porta lateral e depois de darmos alguns passos no exterior, de dentro do templo vem um ruído imenso de tambores e pratos metálicos. É a música das orações, explicam-me. Uma cadela à entrada, começa a uivar. E estou eu, com os meus dois acompanhantes, a olhar a escuridão do rio, com esta fantástica e muito apropriada banda sonora.

Regressamos para jantar e sinto mesmo conforto quando voltamos a entrar em casa. Quando me despeço, já perto das 21h30, tenho pena de não poder dar um abraço à mãe. Numa cultura na qual não somos fluentes, nunca temos a certeza se conseguimos expressar a gratidão que efectivamente sentimos em alguns momentos. Os meus dois guias, acompanham-me a casa e acho que a Vandana consegue perceber a minha alegria pelo sorriso que tenho, tão diferente da má disposição do início da tarde. Dou os parabéns mais uma vez ao irmão, que me diz que gostou muito dos anos dele. Pelos vistos a minha presença foi uma prenda que deixou um rapaz de 17 anos feliz. Beat that, Play Station!

Entre aspas

"Ser a mesma noutro lugar, muda tudo"
in Princesas Esquecidas ou Desconhecidas

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Dinner Party

Ser feminista ocidental e propor-se a viver um ano numa cidade Indiana, é obra e requer nervos de aço. Este Domingo, véspera de feriado do Dia da República, fui a casa da minha chefe, para um jantar, no qual ela juntou vários elementos da sua família. Éramos cerca de 15 pessoas e as dinâmicas indianas em muito se assemelharam às que se pode observar em qualquer casa portuguesa: mulheres na cozinha, homens na sala. O único senhor nos domínios femininos, esteve lá apenas os minutos necessários para preparar a sua especialidade. Depois retirou-se para a zona mais masculina da casa e só voltou a aparecer para perguntar se a janta ainda demorava muito. Mas o que me fez ir para o quarto, fechar os olhos e respirar fundo várias vezes foi o que aconteceu depois da comida estar pronta: os homens comeram primeiro, na sala. Enquanto o mulherio observava da porta da cozinha e da janela do quarto. Mantinham-se por perto, para chegar o que fosse faltando aos comensais: um prato extra, um copo de água, mais comida. Quando os senhores terminaram, as mulheres reuniram-se na cozinha e comeram… os restos! Para esta discriminação de género, não interessa sequer a idade: o rapazinho de 5 anos come na sala com os homens.

Acho que foi a retenção de comentários durante a noite toda, que me fez chegar às 22h com uma dor de cabeça gigante. Quando é que as mulheres se vão aperceber que estes comportamentos não são aceitáveis e que para altera-los basta que elas batam com o pé no chão? Porque não estou a falar de um ambiente muito controlador: a minha chefe é presidente de uma organização de dimensão estatal, farta de receber prémios, vai semanalmente a reuniões com representantes da UNICEF e de outras organizações de renome internacional que reconhecem o trabalho dela. No entanto, quando eu lhe digo que ponha o marido a lavar a louça, ela diz: “Neveeer!” E depois venham-me com discursos que o status da mulher já está muito melhor só porque "já nos deixam ir às urnas". E não leantem a sobrancelha a dizer “A Índia é assim…”, porque desse lado do mundo as coisas ainda rolam da mesma maneira. O problema é que estes comportamentos estão tão inculcados que ninguém os vê como ofensivos, havendo até quem os ache românticos (porque não há-de a Maria mudar de nome depois de casada?!?).

Fica aqui o desabafo, que tenho que limitar ao blog porque ainda me faltam muitos meses por cá e não quero ser deportada antes do tempo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Pequeno – Almoço na estrada

A beleza das experiências e, muitas vezes, o que mais nos surpreende, está nos pormenores. No Sábado passado, tive oportunidade de experimentar mais um pormenor indiano: as auto-estradas e estações de serviço entre Surat e Arand. Saímos de Surat às 6h30 da manhã, ainda de noite e com o ar bastante frio para os standards diurnos. Vejo vários grupos de crianças, com os uniformes da escola. Aqui as aulas quando são de manhã, começam às 7h e acontecem também aos Sábados.

O dia foi amanhecendo lentamente. Passadas umas horas na estrada, já com o sol a aquecer, paramos para tomar o pequeno-almoço num dos muitos auto proclamados hotéis: umas construções de dois andares em cimento, que estão polvilhados ao longo da via rápida. No rés do chão, está montada uma espécie de cantina, com mesas vermelhas que sentam 4 pessoas. Ao fundo, um homem agachado em frente a uma enorme panela redonda frita uma fina pasta de Graam, um grão que aqui é usado para mil e uma coisas.

A acompanhar o Graam, os meus colegas indianos bebem o típico chá com especiarias, leite e carradas de açúcar (eu já me deixei dessas aventuras. Um ano a consumir açúcar à velocidade dos indianos, ia deixar-me com o dobro do tamanho com que cheguei e com princípios de diabetes, de certeza). O chá vem em pequenas e delicadas chávenas e depois é vertido nos pires, por onde é bebido.

Quando voltamos à estrada, reparo nuns personagens vestidos de branco e que caminham no sentido oposto ao do tráfico, mas por entre as faias de rodagem. A esta altura do dia, eu ainda pensava inocentemente que nas auto-estradas indianas havia sentidos de trânsito. Convém explicar que, como quase tudo neste país, as auto-estradas estão num estado de obras constante. São asfaltadas, mas a quantidade de trabalhos a decorrer é tanta, que o asfalto está todo aos altos e baixos, as mudanças de sentido são mais que muitas e o que me valeu foi ir atrás do condutor e ter grande parte do meu ângulo de visão bloqueado pela sua cabeça. Andar de transporte motorizado na Índia é como andar de avião, pensei: podemos decidir se entramos na máquina ou não, mas depois de estar lá dentro, já nada está sob o nosso controlo. O melhor é mesmo fechar os olhos e meditar. Os personagens que se passeavam pela estrada são Jainistas (não sei se esta é a designação correcta). Segundo me informaram, vestem-se todos de branco, carregam todos os seus pertences consigo (embrulhados em panos brancos e amarrados ao peito, aos ombros, às costas), sempre que precisam de se deslocar, independentemente da distância, têm que o fazer a pé. E normalmente andam descalços.

O dia passou-se sem mais surpresas de maior. A conferência decorreu numa universidade no meio de Nenhures, depois das plantações de tabaco, bananas e dos macacos. Foi a primeira vez que uma universidade organizou um seminário de dois dias em que se abordou mais profundamente a temática do HIV/SIDA. A presidente da minha ONG foi falar sobre Discriminação. Ela é realmente uma oradora notável. Apesar de não ter percebido completamente o conteúdo (por ser maioritariamente em Gujarati, com um power point em inglês), deu para sentir o envolvimento do público através das posturas, da atenção, das perguntas e da ovação em pé.

A viagem de regresso atirou a minha atitude blasé relativamente ao trânsito indiano pela janela fora, não sem antes a ter desfeito em 3 004 pedaços. Quem pensa que por ser escuro se deve circular mais devagar, não é indiano. Aqui, a escuridão é um desafio, uma condição que parece trazer ao de cima, o nervosismo e ansiedade de um povo que se julga calmo e em constante meditação. O regresso começou com um engarrafamento descomunal para sair do que parecia ser uma mini-cidade. Depois, já em plena via rápida (acho que é uma designação mais ajustada à realidade que auto-estrada) e enquanto seguíamos a uma velocidade considerável, o condutor começa a abrir a porta e a espreitar para a roda de trás. Tendo em conta que aqui não se respeitam as distâncias de segurança, eu estava petrificada, a imaginar que a qualquer momento um dos muitos camiões que circulavam connosco, ia passar rente ao nosso carro e levar o condutor à sua frente. Começo a olhar à minha volta (éramos 4 dentro do carro) e claro que eu sou a única a exibir olhares preocupados. Claro! A montanha russa dura umas longas e ruidosas 4 horas de volta a casa. Uma técnica de navegação indiana é a buzinadela, que cumpre mais ou menos a mesma função que os nossos piscas, sinais de trânsito e aulas de código combinados. Como aqui os piscas estão destruidos, os sinais são praticamente inexistentes e a circulação pode fazer-se por onde quer que haja espaço (bermas da estrada, separadores centrais, outro lado do risco contínuo...), a navegação rodoviária é feita através da buzinadela. Aliás, todo os camiões têm pintado na parte de trás as palavras “Please Horn” (por favor, buzine). E nós buzinamos.

Uns metros mais à frente, passamos por um camião parado, com o eixo traseiro levantado do chão, dois homens sentados debaixo da viatura e uma fogueira ao seu lado, perigosamente perto do camião. Pergunto eu: Que se passa? “É um reboque.” Explicam-me, como quem fala com uma criança de 5 anos. “ E porque tinham uma fogueira acesa tão perto do camião?” insisto. “Para dar luz”. Claro.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Hospitalidade concentrada

Aqui realmente não é preciso sair-se de casa para ter entretenimento. Ou no meu caso, para se ser o entretenimento. No outro dia os meus colegas de trabalho informaram-me que toda a gente na nossa zona, andava a falar de mim. É natural, a única branquela a passear-se pelas ruas, vestida de uma forma estranha, desperta o mesmo interesse que uma indiana de sari a atravessar a ponte D. Luís. Eu já estava à espera de despertar a curiosidade e confesso, até com vontade de o fazer, de ser a minoria. Queria saber a sensação de receber os olhares de soslaio que nós aí no burgo deitamos aos que nos parecem diferentes. Esqueci-me que as coisas na India são diferentes, maiores, mais exageradas. Não recebo olhares de soslaio. As pessoas param no meio da rua, riem, apontam. Um homem ontem passou por mim e benzeu-se. Só mesmo as vacas é que não me ligam nenhuma e parecem até um pouco incomodadas por outro ser lhes tirar o foco das atenções por alguns momentos.

Hoje foi dia de fazer a vontade aos meus vizinhos mais novos, que diariamente me vêm bater à porta, e de aceder ao seu pedido "Please come to my home! " Claro que indo a casa de um, tenho que ir a casa dos outros todos e eles parece que se multiplicam. Hoje visitei 5 apartamentos no meu prédio, antes de conseguir fugir de volta pra casa. A primeira coisa que me ofereceram foi água, com em qualquer boa casa indiana. Seguiu-s uma catadupa de ofertas, que a determinada altura já pareciam mais imposições.
- "Food?"
- No.
- "Fruit?"
- No.
Veio na mesma. Vários tipos. Depois começaram as perguntas:
- "Married?"
- No.
- "We know nice boy"
- No!!
Com o crescer da confiança, começaram as fotografias, as comparações do tom de pele, os toques no dragão que tenho tatuado no braço, o aperto das minhas bochechas que pelos vistos são muito suaves... Depois as crianças começaram a apresentar-me os seus álbuns com desenhos que fizeram na escola. De seguida as mães queriam ir buscar os ábuns do casamento. E as primItálicoas, sobrinhas e filhas queriam vir todas cá para casa. No! digo eu. E toda a gente se cala e fica a olhar para mim com um ar muito sério como se eu tivesse proferido o maior insulto alguma vez falado. Lá expliquei que queria vir falar com os meus pais pela internet e marcamos a mostra de fotos para amanhã. E mais uma vez nos separamos com sorrisos sentidos e acenos de mão. Esta gente tem um poço inesgotável de felicidade guardado algures. Hei-de descobrir...
P.S. A partir de hoje sou Teresa Didi aqui no prédio, que é como quem diz irmã.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Uttarayan kyte flying festival

Era uma mistura de nuvens, pássaros pretos e papagaios de papel de todas as cores. Nos terraços das casas, famílias inteiras miravam o céu. O objectivo era cortar o fio dos outros papagaios de papel. Quando o conseguiam davam um grito que basicamente dizia ao derrotado para voltar para casa e arrumar as ferramentas. Foi o festival do Uttarayan que marca o solstício de Inverno deste lado do mundo. As pessoas comemoram assim. Nas semanas antes do dia 14 de Janeiro, as lojas transformam-se e em quase todo o lado se pode comprar as construções super leves, feitas de papel fino e pequenas varas de madeira, os rolos de fios de cores vivas que são revestidos com vidro em pó para serem mais “cortantes”. Passei o dia em casa do irmão da presidente da ong onde trabalho. Toda a família esteve no terraço (perigosamente, sem qualquer protecção lateral, o terraço é apenas o último piso, sem quaisquer acabamentos). Apareceram os vizinhos e o alfaiate trouxe a família com ele. Eu voei um papagaio de papel pela primeira vez na minha vida. Tenho provas fotográficas que não deixam lugar para dúvidas. Mas os inúmeros papagaios que foram comprados para este dia, não se gastam todos de uma só vez. Por isso, no dia seguinte, os meus vizinhos raptam-me nas escadas ao fim da tarde, quando me preparava para sair para ir às compras, e querem levar-me até ao terraço do nosso prédio. “Just one minute. Just one minute”. Eu acedo. A Kajal, uma miúda com uns lindos olhos rasgados e que pratica o seu inglês nos momentos que me rouba nas escadas, não me larga a mão, nem mesmo depois de chegarmos ao nosso destino. O terraço é fabuloso. Enorme, com chão de tijolo branco e com uma parede branca a toda a volta. Está polvilhado de vizinhos. Não reconheço todas as caras, mas ainda estou cá há pouco tempo. Este mundo ainda me é estranho. A aparelhagem está protegida por um pano colorido. Falamos uns minutos, trocamos nomes, graus de parentesco e eu tento decorar mais umas caras. Tenho mesmo que ir, tenho um colega à espera. Agradecem-me os elogios ao terraço. Deixo para trás os sorrisos dos meus vizinhos e eles deixam-me o coração mais quente e a alma mais leve.







Curiosidades indianas

1º É de extrema má educação dizer obrigada às pessoas conhecidas (mas levam a mal mesmo!);
2º O arroto quando mais alto e ressonante, mellhor, a qualquer hora do dia e em qualquer local;
3º As prostitutas têm horário de trabalho: das 19h às 21h;
4º Os polícias de trânsito têm uns paus quase do tamanho deles, que usam para bater nos carros e riquexós quando estes não se mexem;

Macacadas

No Domingo passado, estou eu a descansar em minha casa, deitada no colchão que tenho na sala a fazer de sofá, a ver as minhas séries, no meu super computador, quando de repente, começa um imenso rebuliço à minha porta. Aqui nada é subtil, tudo é mais barulhento, mais estridente e a única forma de manter a sanidade mental é ignorar sinais que no outro lado do Mundo nos poriam em alerta. Portanto, para o Ruído de Domingo me chamar a atenção, foi porque atingiu decibéis incomuns para o que meus ouvidos já se habituaram a escutar nos últimos dois meses.

Levantei-me e fui espreitar pelo olho mágico da minha porta e vejo, sentado no corrimão, com um ar assustado(r), um enorme macaco. Um Senhor Macaco com cerca de um metro de altura, pêlo amarelado e cara preta retinta, de olhos esbugalhados e a mostrar ameaçadoramente os seus dentes. Todos os meus vizinhos estão fechados dentro de casa, com as janelas abertas, mas protegidos pelas grades, que aqui estão em todas as janelas independentemente da altura do piso. Um dos vizinhos tenta oferecer um tomate ao animal, mas ele está claramente assustado. Ao início ainda pensei que fosse o animal de estimação de alguém do prédio, mas ninguém assumia a responsabilidade por aquela besta. De repente, depois de mostrar os dentes mais umas vezes à sua volta, em dois grandes saltos, o macaco escapa para o terraço e desaparece de vez. Mais um banal domingo à indiana...

Porque a subtileza nem sempre funciona

Esclarece-se que o post dos Abraços era um pedido a todos para me enviarem correio. Cartas, postais, papéis de pastilha elástica Gorila, ... Desde que venha dentro de um envelope com o meu nome no destinatário, fico feliz. O endereço fornecido é o da ong onde estou a trabalhar, que é sempre um destino mais seguro que enviar correio directamente para o meu apartamento. Tudo o que saia fora do formato normal de carta, por favor, envolvam o envelope em fita adesiva transparente, que esta gente aqui é curiosa e todas as encomendas que não venham bem protegidas, são cuscuvilhadas na estação dos correios local. A malta tem que se entreter de qualquer maneira...!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Abracos precisam-se

"Isto nao `e uma carta, mas os meus bracos `a tua volta, por um breve momento"
"This is not a letter but my arms around you for a brief moment" Katherine Mansfield 1888-1923

Mandem-me os vossos abracos para aqui
GSNP+ - Gujarat state Network of People living with HIV/AIDS
Above Tapi Medical Store, Modi Mohollo, Near Gaushala,
Ashwani Kumar Main Road, Surat 395008
India

domingo, 4 de janeiro de 2009

Quem quer casar com a carochinha?

O meu último Domingo de 2008 foi passado num evento assaz bizarro, para os standards ocidentais. Mesmo com invenções esquisitas como speed dating, agências de encontros e entre outras, os indianos conseguem bater-nos aos pontos no que diz respeito a arranjar casamento.
No fim de semana passado, foi dia de Pasadangi Mela, um festival organizado pela ONG onde estou a trabalhar, no qual as pessoas possitivas de todo o Gujarat se podiam inscrever para encontrar a sua alma gémea. A promessa era essa. Na manhã do dia 28, começaram a chegar os autocarros ao local do envento, onde tinha sido montada uma tenda enorme, com um palco forrado a carpete vermelha. Depois do pequeno almoço e dos discursos da praxe, começou o desfile dos candidatos e candidatas, que se dirigiam ao palco quando o seu número era chamado pelos apresentadores. Ali ficavam, embaraçados, frente à audiência, durante os poucos minutos que demorava a ler o seu perfil, que continha os seguintes dados pessoas: nome, distrito de residência, estado civil, casta, cor da pele, religião, nível de escolaridade, rendimento, data de diagnóstico (HIV), tratamento antiretroviral.
À hora do almoço, ao mesmo tempo que se mastigava o daal e chapati, começava o prometido Processo de Seleção da Alma-gémea (nome oficial impresso no programa). Os participantes dirigiam-se aos mediadores (elementos da organização) e diziam os números que lhes tinham interessado. Os mediadores chamavam essas pessoas e davam-lhes a referêcia do “Romeu”, para que pudessem consultar o seu perfil e manifestar o seu interesse ou falta dele. Se ambas as partes estivessem de acordo, dirigiam-se a umas salas onde, na presença de um conselheiro, podiam falar durante uns breves minutos.
Foi curioso observar o evoluir da tarde. Os níveis de exigência que no início do “Processo de Selecção da Alma-gémea” eram elevadíssimos, foram-se alterando com o acumular das rejeições por parte de alguns candidatos. Ou talvez fosse a timidez inicial que finalmente ia sendo ultrapassada. A verdade é que ao final da tarde, foi um acumular de meninas, com as mãos cheias de números, referência dos seus pretendentes, a folhear as capas com o perfil e a foto tipo passe dos candidatos. Os mais persistentes e corajosos, ou desesperados, no fim do dia, apresentaram-se à frente da plateia, enquanto a apresentadora perguntava se não havia ninguem que estivesse interessada neles. Não havia.
Para quem procura o lado positivo das coisas, esta foi uma oportunidade de dar poder às mulheres que, desta forma, conseguem ter voz activa na escolha dos seus parceiros. No fim do dia, 5 casais decidiram casar-se.
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