terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Dinner Party

Ser feminista ocidental e propor-se a viver um ano numa cidade Indiana, é obra e requer nervos de aço. Este Domingo, véspera de feriado do Dia da República, fui a casa da minha chefe, para um jantar, no qual ela juntou vários elementos da sua família. Éramos cerca de 15 pessoas e as dinâmicas indianas em muito se assemelharam às que se pode observar em qualquer casa portuguesa: mulheres na cozinha, homens na sala. O único senhor nos domínios femininos, esteve lá apenas os minutos necessários para preparar a sua especialidade. Depois retirou-se para a zona mais masculina da casa e só voltou a aparecer para perguntar se a janta ainda demorava muito. Mas o que me fez ir para o quarto, fechar os olhos e respirar fundo várias vezes foi o que aconteceu depois da comida estar pronta: os homens comeram primeiro, na sala. Enquanto o mulherio observava da porta da cozinha e da janela do quarto. Mantinham-se por perto, para chegar o que fosse faltando aos comensais: um prato extra, um copo de água, mais comida. Quando os senhores terminaram, as mulheres reuniram-se na cozinha e comeram… os restos! Para esta discriminação de género, não interessa sequer a idade: o rapazinho de 5 anos come na sala com os homens.

Acho que foi a retenção de comentários durante a noite toda, que me fez chegar às 22h com uma dor de cabeça gigante. Quando é que as mulheres se vão aperceber que estes comportamentos não são aceitáveis e que para altera-los basta que elas batam com o pé no chão? Porque não estou a falar de um ambiente muito controlador: a minha chefe é presidente de uma organização de dimensão estatal, farta de receber prémios, vai semanalmente a reuniões com representantes da UNICEF e de outras organizações de renome internacional que reconhecem o trabalho dela. No entanto, quando eu lhe digo que ponha o marido a lavar a louça, ela diz: “Neveeer!” E depois venham-me com discursos que o status da mulher já está muito melhor só porque "já nos deixam ir às urnas". E não leantem a sobrancelha a dizer “A Índia é assim…”, porque desse lado do mundo as coisas ainda rolam da mesma maneira. O problema é que estes comportamentos estão tão inculcados que ninguém os vê como ofensivos, havendo até quem os ache românticos (porque não há-de a Maria mudar de nome depois de casada?!?).

Fica aqui o desabafo, que tenho que limitar ao blog porque ainda me faltam muitos meses por cá e não quero ser deportada antes do tempo.

6 comentários:

Liseta disse...

ah, que carago, como eu concordo contigo! que é isso do homem ter prioridades?!

fernandesmariateresa disse...

Nem quero crer! Os restos! E ainda não me tinhas dito nada.
Indianos... não se recomendam...

BEIJINHOsss

Teresa disse...

Bolas... há realmente ainda muita coisa para evoluir neste nosso mundo!
Um beijinhos muito grande!

Helena Almeida disse...

Goi!!
Se a tua experiência acontecesse comigo, tenho a certeza absoluta que tinha mau humor, pelo menos, para 15 dias.
Para ti, para mim, e quero acreditar que para a maioria da nossa geração, alimentar primeiro o macho e a fêmea aguardar pelo que sobra é inadmissível... mas acredito que as distâncias culturais entre Portugal e Índia não são assim tão acentuadas.
Aqui vão exemplos...
Há uma festa aqui no Norte, creio que na Póvoa de Lanhoso, logo após a Páscoa, que se chama qualquer coisa como "almoço dos bifes". Nesse digno almoço, os machos alinham-se em mesas e bancos corridos, entopem-se de bifes uns atrás dos outros, e, curiosamente, o repasto é servido por mulheres. E aqui tudo é em exclusivo: sentar e comer é exclusivo do macho; servir e sair logo da sala para os machos ficarem à vontade é exclusivo da fêmea. A "tradição" é difundida e, na minha opinião, potenciada todos os anos graças às reportagens televisivas, que mostram este triste exemplo de subserviência feminina como algo giro, com piada... é uma tradição, carago! Quando se argumenta o protelar de algo pela tradição penso logo: Ainda bem que o canibalismo não é tradição por estas bandas.
Outro exemplo curioso ocorre em muitas casas. Eu já ouvi comentários como: "Dê-me aí um bifinho bom para o meu marido" (senhora a dirigir-se para o funcionário do talho) ou "Tenho que alimentar bem o meu homem porque é ele que leva o dinheiro para casa".
Se eu fosse a comentar isto como queria, nem amanhã acabava de escrever isto, mas aqui vai a minha ideia em forma de síntese:
Quantas mulheres portuguesas servem primeiro os maridos e só depois a elas próprias (boa educação à parte!)? Aliás, quantas mulheres servem sempre primeiro o marido (again, boa educação à parte!)
Quantas mulheres compram o bifinho para o marido e elas comem fêvera?
Quantas mulheres cozinham durante horas para reuniões de família e, por limitações de espaço, servem primeiro os homens e esperam que haja lugares livres para comerem no fim?
Quantas mulheres casadas acham natural serem elas a cozinhar?
Acredito que se trata de uma questão cultural e somente isso... e as mudanças de mentalidades e comportamentos precisam de gerações... e gerações...
BEIJOS!!!
PS: Obrigada mãe e pai pelos bons exemplos que contrariam os anteriormente descritos:)

Aurora - Ló disse...

Calma, calma ! de facto foi uma dinner party "muito machista", compreendo perfeitamente as tuas dores de cabeça. Mas é verdade, ainda vão ter que passar muitos e muitos e muitos.... anos para que esta desigualdade se altere.Até lá temos mas é que bater bem com os pés no chão.
Beijinhos

Queiroz disse...

Pois...o verdadeiro progresso não se mede pela tecnologia mas pela mudança de mentalidades. Mas esta mudança não se inventa, vai-se criando, muitas vezes com dores de cabeça, num processo lento e nem sempre eficaz.
Com calma...por muito que custe!
Bjs

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