A beleza das experiências e, muitas vezes, o que mais nos surpreende, está nos pormenores. No Sábado passado, tive oportunidade de experimentar mais um pormenor indiano: as auto-estradas e estações de serviço entre Surat e Arand. Saímos de Surat às 6h30 da manhã, ainda de noite e com o ar bastante frio para os standards diurnos. Vejo vários grupos de crianças, com os uniformes da escola. Aqui as aulas quando são de manhã, começam às 7h e acontecem também aos Sábados.
O dia foi amanhecendo lentamente. Passadas umas horas na estrada, já com o sol a aquecer, paramos para tomar o pequeno-almoço num dos muitos auto proclamados hotéis: umas construções de dois andares em cimento, que estão polvilhados ao longo da via rápida. No rés do chão, está montada uma espécie de cantina, com mesas vermelhas que sentam 4 pessoas. Ao fundo, um homem agachado em frente a uma enorme panela redonda frita uma fina pasta de Graam, um grão que aqui é usado para mil e uma coisas.
A acompanhar o Graam, os meus colegas indianos bebem o típico chá com especiarias, leite e carradas de açúcar (eu já me deixei dessas aventuras. Um ano a consumir açúcar à velocidade dos indianos, ia deixar-me com o dobro do tamanho com que cheguei e com princípios de diabetes, de certeza). O chá vem em pequenas e delicadas chávenas e depois é vertido nos pires, por onde é bebido.
Quando voltamos à estrada, reparo nuns personagens vestidos de branco e que caminham no sentido oposto ao do tráfico, mas por entre as faias de rodagem. A esta altura do dia, eu ainda pensava inocentemente que nas auto-estradas indianas havia sentidos de trânsito. Convém explicar que, como quase tudo neste país, as auto-estradas estão num estado de obras constante. São asfaltadas, mas a quantidade de trabalhos a decorrer é tanta, que o asfalto está todo aos altos e baixos, as mudanças de sentido são mais que muitas e o que me valeu foi ir atrás do condutor e ter grande parte do meu ângulo de visão bloqueado pela sua cabeça. Andar de transporte motorizado na Índia é como andar de avião, pensei: podemos decidir se entramos na máquina ou não, mas depois de estar lá dentro, já nada está sob o nosso controlo. O melhor é mesmo fechar os olhos e meditar. Os personagens que se passeavam pela estrada são Jainistas (não sei se esta é a designação correcta). Segundo me informaram, vestem-se todos de branco, carregam todos os seus pertences consigo (embrulhados em panos brancos e amarrados ao peito, aos ombros, às costas), sempre que precisam de se deslocar, independentemente da distância, têm que o fazer a pé. E normalmente andam descalços.
O dia passou-se sem mais surpresas de maior. A conferência decorreu numa universidade no meio de Nenhures, depois das plantações de tabaco, bananas e dos macacos. Foi a primeira vez que uma universidade organizou um seminário de dois dias em que se abordou mais profundamente a temática do HIV/SIDA. A presidente da minha ONG foi falar sobre Discriminação. Ela é realmente uma oradora notável. Apesar de não ter percebido completamente o conteúdo (por ser maioritariamente em Gujarati, com um power point em inglês), deu para sentir o envolvimento do público através das posturas, da atenção, das perguntas e da ovação em pé.
A viagem de regresso atirou a minha atitude blasé relativamente ao trânsito indiano pela janela fora, não sem antes a ter desfeito em 3 004 pedaços. Quem pensa que por ser escuro se deve circular mais devagar, não é indiano. Aqui, a escuridão é um desafio, uma condição que parece trazer ao de cima, o nervosismo e ansiedade de um povo que se julga calmo e em constante meditação. O regresso começou com um engarrafamento descomunal para sair do que parecia ser uma mini-cidade. Depois, já em plena via rápida (acho que é uma designação mais ajustada à realidade que auto-estrada) e enquanto seguíamos a uma velocidade considerável, o condutor começa a abrir a porta e a espreitar para a roda de trás. Tendo em conta que aqui não se respeitam as distâncias de segurança, eu estava petrificada, a imaginar que a qualquer momento um dos muitos camiões que circulavam connosco, ia passar rente ao nosso carro e levar o condutor à sua frente. Começo a olhar à minha volta (éramos 4 dentro do carro) e claro que eu sou a única a exibir olhares preocupados. Claro! A montanha russa dura umas longas e ruidosas 4 horas de volta a casa. Uma técnica de navegação indiana é a buzinadela, que cumpre mais ou menos a mesma função que os nossos piscas, sinais de trânsito e aulas de código combinados. Como aqui os piscas estão destruidos, os sinais são praticamente inexistentes e a circulação pode fazer-se por onde quer que haja espaço (bermas da estrada, separadores centrais, outro lado do risco contínuo...), a navegação rodoviária é feita através da buzinadela. Aliás, todo os camiões têm pintado na parte de trás as palavras “Please Horn” (por favor, buzine). E nós buzinamos.
Uns metros mais à frente, passamos por um camião parado, com o eixo traseiro levantado do chão, dois homens sentados debaixo da viatura e uma fogueira ao seu lado, perigosamente perto do camião. Pergunto eu: Que se passa? “É um reboque.” Explicam-me, como quem fala com uma criança de 5 anos. “ E porque tinham uma fogueira acesa tão perto do camião?” insisto. “Para dar luz”. Claro.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
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6 comentários:
Querida sobrinha
Gostei de ler o blog e adorei ver
o kite festival.Tudo o que tao bem
descreves parece fazer-nos ver essa
India distante.
UM XI APERTADO
Auntie Alice
Goi!!
Tenho andado ausente mas agora tudo começa a entrar nos eixos...
No outro dia vi um documentário sobre a presença constante e imperial de macacos num certo templo de Deli que, vá-se lá saber porquê, até tem o nome de templo dos macacos. Confesso que nunca pensei que na Índia circulassem macacos de forma tão livre.
Um dos teus últimos posts confirmou isso mesmo. Se fosse eu a espreitar pelo óculo da porta e a deparar-me com um senhor macaco como o que descreveste... bem, pensava logo em comprar um daqueles sprays para ladrões e andava sempre com ele no bolso:)
A imagem com que estou a ficar da Índia através das tuas fantásticas descrições é uma mistura de fascínio pelas pessoas e de incredulidade perante o caos em que elas vivem. O caos rodoviário é o que mais me assusta, confesso...
BEIJOS!!
Olá corajosa da condução:
As descrições continuam uma delícia. Apesar de ter acabado de almoçar o pequeno almoço indiano foi uma maravilha.
A digestão foi rápida devido aos saltos e sustos da viagem.
Com a tua descrição começo a repensar a possibilidade da sorte existir...
Beijo
Queiroz
Lol... é caso para dizer "holly cow"! Obrigada por esta partilha gosto muito da tua escrita e desta oportunidade de espelhar experiências :). Envia-me o teu número de telefone para de quando em vez falarmos a nossa língua. Um grande beijinho. mariana
Drª Teresa Calisto
Gostei muito da publicação no Jornal Noticias sobre a experiência que está a viver,k deve ser fascinante, muitos bjs
Margarida HP
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