sábado, 31 de janeiro de 2009
Love Story
Levei algum tempo a reunir a coragem para indagar, mas cheguei à conclusão que devo aproveitar ao máximo a desculpa de ser estrangeira, para cometer todos os faux pas. Quem não arrisca...
Of course!
Is B. your boyfriend?, arrisco.
Silêncio. Mas quando os silêncios são acompanhados de sorrisos, normalmente manifestam uma vontade escondida de falar. Era a segunda vez que estava sozinha com a D. Nestes momentos, entre nós parece criar-se uma atmosfera propícia a confidências. Talvez por ela não ter mais ninguém com quem falar. Talvez por eu estar sozinha e ter saudades do à vontade que só se sente com os amigos. Talvez por sermos ambas diferentes, cada uma no seu contexto, mas com modos semelhantes de colocar pontos de interrogação onde os outros colocam pontos finais.
He is. diz ela a confirmar o que eu já sabia. Tenho outra pergunta tão pessoal como a primeira, mas ela adianta-se. But nothing can happen between us. I am Hindu and he is Muslim.
A nossa viagem de compras, acaba por se tornar numa troca de confidências. Ela tem um peso no peito. Eu sinto falta de ser depositária de segredos. Enquanto caminhamos sem ver nada, pelas ruas apinhadas de roupas berrantes e pulseiras de todas as cores, vou ouvindo o que ela chora a sorrir. Estão juntos há dois anos. Há dois anos que ele lhe confessou o que sentia. Há dois anos que lhe disse que nunca se casaria com ela. A D. acha que pelo menos deviam tentar. Explica-me que na Índia não há uniões de facto. A única maneira de duas pessoas passarem a vida juntas, é casando-se. E o amor que sente dita-lhe que deviam tentar. Falar com os pais de um e de outro. Apresentar argumentos. Insistir. Depois lidar com o resto da família. (Aqui, uma pessoa nunca vem só. Nunca.) A mim parece-me um bom plano de acção. A ele não.
No Gujarate em 2002, houve violentíssimos motins que opuseram hindus a muçulmanos. Não foram os primeiros e provavelmente não serão os últimos, mas foram os mais sangrentos e retorcidos. As feridas ainda não sararam. Os muçulmanos têm o seu bairro. Os que vivem fora dele, ouvem as perguntas dos vizinhos: why are you here? O B. acabou de mudar de casa com a família, farta das perguntas. Estão no bairro. E a D. vai a casa deles amanhã conhecer as novas instalações.
Why should we put our families through that? é a pergunta que ele lhe faz e para a qual ela ainda não encontrou resposta.
E eu sinto-me num limbo cultural. Não posso dar os conselhos que daria a alguém desse lado do mundo. As regras não são as mesmas. E temer pela segurança da família, parece neste contexto um argumento de peso. Como se lida com o amor nestas latitudes e com todos estes condicionalismos presos por um cordel aos olhares e sorrisos que eles troca diariamente no escritório?
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Prenda d' Anos
Naquela casa com uma só divisão, vivem 5 pessoas. Começo a perceber como é impossivel ter a noção do que é a privacidade que tanto prezamos no ocidente, quando se vive neste ambiente. A mãe, uma mulher sorridente num sari vermelho escuro, não saiu do canto onde está montada a cozinha. Com um fundo de prateleiras cheias de recipientes de alumínio, preparou-nos o lanche e o jantar, sempre com um sorriso nos lábios e sempre em amena conversa. O pai, que chegou uns minutos mais tarde, é um senhor com cabelo grisalho e pele clara, com muitas perguntas e um olhar vivo e interessado. A Explicadora diz que ele é meio médico, porque apesar de não ter uma licenciatura em medicina, tem muitos conhecimentos sobre o corpo humano e está sempre a distribuir conselhos sobre os benefícios do chá preto com gengibre para limpar o organismo, ou os malefícios das posturas erradas ao sentar.
Antes do jantar, fui dar uma volta com a Vandana (a Explicadora) e o Aniversariante. O cansaço já tinha desaparecido completamente e eu usava um sorriso rasgado na minha cara enquanto caminhávamos pelas ruas, que ficam tão perto de minha casa, mas que ainda não me tinha aventurado a explorar sozinha. Fomos a um templo, que fica no jardim de um edifício ainda em construção. O templo é uma sala ampla, em madeira, com umas estátuas muito coloridas no centro e várias fotografias em tamanho grande do santo. Ficamos apenas uns minutos e decidimos caminhar até outro templo, mais elaborado, escondido numa ruela que termina no rio. Este tem uma primeira pequena sala rectangular, com a estátua de uma vaca no centro com cerca de um metro de altura. Segue-se uma salinha circular, com o tecto cheio de desenhos de deuses, feitos a partir de pedacinhos multi-coloridos de um material brilhante. Na direcção do olhar da vaca está uma perquena abertura quadrada na parede. Para passarmos por aí, temos que nos dobrar pela cintura e entramos numa outra pequena câmara circular, onde três homens vestidos à ocidental entoam uns cânticos, enquanto colocam flores num tabuleiro que está suspenso no centro da câmara. Há velas acesas e consigo ver que a minha presença é no mínimo estranha, mas não o suficiente para quebrar a concentração dos zeladores do templo. Saimos por uma porta lateral e depois de darmos alguns passos no exterior, de dentro do templo vem um ruído imenso de tambores e pratos metálicos. É a música das orações, explicam-me. Uma cadela à entrada, começa a uivar. E estou eu, com os meus dois acompanhantes, a olhar a escuridão do rio, com esta fantástica e muito apropriada banda sonora.
Regressamos para jantar e sinto mesmo conforto quando voltamos a entrar em casa. Quando me despeço, já perto das 21h30, tenho pena de não poder dar um abraço à mãe. Numa cultura na qual não somos fluentes, nunca temos a certeza se conseguimos expressar a gratidão que efectivamente sentimos em alguns momentos. Os meus dois guias, acompanham-me a casa e acho que a Vandana consegue perceber a minha alegria pelo sorriso que tenho, tão diferente da má disposição do início da tarde. Dou os parabéns mais uma vez ao irmão, que me diz que gostou muito dos anos dele. Pelos vistos a minha presença foi uma prenda que deixou um rapaz de 17 anos feliz. Beat that, Play Station!
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Dinner Party
Ser feminista ocidental e propor-se a viver um ano numa cidade Indiana, é obra e requer nervos de aço. Este Domingo, véspera de feriado do Dia da República, fui a casa da minha chefe, para um jantar, no qual ela juntou vários elementos da sua família. Éramos cerca de 15 pessoas e as dinâmicas indianas em muito se assemelharam às que se pode observar em qualquer casa portuguesa: mulheres na cozinha, homens na sala. O único senhor nos domínios femininos, esteve lá apenas os minutos necessários para preparar a sua especialidade. Depois retirou-se para a zona mais masculina da casa e só voltou a aparecer para perguntar se a janta ainda demorava muito. Mas o que me fez ir para o quarto, fechar os olhos e respirar fundo várias vezes foi o que aconteceu depois da comida estar pronta: os homens comeram primeiro, na sala. Enquanto o mulherio observava da porta da cozinha e da janela do quarto. Mantinham-se por perto, para chegar o que fosse faltando aos comensais: um prato extra, um copo de água, mais comida. Quando os senhores terminaram, as mulheres reuniram-se na cozinha e comeram… os restos! Para esta discriminação de género, não interessa sequer a idade: o rapazinho de 5 anos come na sala com os homens.
Acho que foi a retenção de comentários durante a noite toda, que me fez chegar às 22h com uma dor de cabeça gigante. Quando é que as mulheres se vão aperceber que estes comportamentos não são aceitáveis e que para altera-los basta que elas batam com o pé no chão? Porque não estou a falar de um ambiente muito controlador: a minha chefe é presidente de uma organização de dimensão estatal, farta de receber prémios, vai semanalmente a reuniões com representantes da UNICEF e de outras organizações de renome internacional que reconhecem o trabalho dela. No entanto, quando eu lhe digo que ponha o marido a lavar a louça, ela diz: “Neveeer!” E depois venham-me com discursos que o status da mulher já está muito melhor só porque "já nos deixam ir às urnas". E não leantem a sobrancelha a dizer “A Índia é assim…”, porque desse lado do mundo as coisas ainda rolam da mesma maneira. O problema é que estes comportamentos estão tão inculcados que ninguém os vê como ofensivos, havendo até quem os ache românticos (porque não há-de a Maria mudar de nome depois de casada?!?).
Fica aqui o desabafo, que tenho que limitar ao blog porque ainda me faltam muitos meses por cá e não quero ser deportada antes do tempo.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Pequeno – Almoço na estrada
O dia foi amanhecendo lentamente. Passadas umas horas na estrada, já com o sol a aquecer, paramos para tomar o pequeno-almoço num dos muitos auto proclamados hotéis: umas construções de dois andares em cimento, que estão polvilhados ao longo da via rápida. No rés do chão, está montada uma espécie de cantina, com mesas vermelhas que sentam 4 pessoas. Ao fundo, um homem agachado em frente a uma enorme panela redonda frita uma fina pasta de Graam, um grão que aqui é usado para mil e uma coisas.
A acompanhar o Graam, os meus colegas indianos bebem o típico chá com especiarias, leite e carradas de açúcar (eu já me deixei dessas aventuras. Um ano a consumir açúcar à velocidade dos indianos, ia deixar-me com o dobro do tamanho com que cheguei e com princípios de diabetes, de certeza). O chá vem em pequenas e delicadas chávenas e depois é vertido nos pires, por onde é bebido.
Quando voltamos à estrada, reparo nuns personagens vestidos de branco e que caminham no sentido oposto ao do tráfico, mas por entre as faias de rodagem. A esta altura do dia, eu ainda pensava inocentemente que nas auto-estradas indianas havia sentidos de trânsito. Convém explicar que, como quase tudo neste país, as auto-estradas estão num estado de obras constante. São asfaltadas, mas a quantidade de trabalhos a decorrer é tanta, que o asfalto está todo aos altos e baixos, as mudanças de sentido são mais que muitas e o que me valeu foi ir atrás do condutor e ter grande parte do meu ângulo de visão bloqueado pela sua cabeça. Andar de transporte motorizado na Índia é como andar de avião, pensei: podemos decidir se entramos na máquina ou não, mas depois de estar lá dentro, já nada está sob o nosso controlo. O melhor é mesmo fechar os olhos e meditar. Os personagens que se passeavam pela estrada são Jainistas (não sei se esta é a designação correcta). Segundo me informaram, vestem-se todos de branco, carregam todos os seus pertences consigo (embrulhados em panos brancos e amarrados ao peito, aos ombros, às costas), sempre que precisam de se deslocar, independentemente da distância, têm que o fazer a pé. E normalmente andam descalços.
O dia passou-se sem mais surpresas de maior. A conferência decorreu numa universidade no meio de Nenhures, depois das plantações de tabaco, bananas e dos macacos. Foi a primeira vez que uma universidade organizou um seminário de dois dias em que se abordou mais profundamente a temática do HIV/SIDA. A presidente da minha ONG foi falar sobre Discriminação. Ela é realmente uma oradora notável. Apesar de não ter percebido completamente o conteúdo (por ser maioritariamente em Gujarati, com um power point em inglês), deu para sentir o envolvimento do público através das posturas, da atenção, das perguntas e da ovação em pé.
A viagem de regresso atirou a minha atitude blasé relativamente ao trânsito indiano pela janela fora, não sem antes a ter desfeito em 3 004 pedaços. Quem pensa que por ser escuro se deve circular mais devagar, não é indiano. Aqui, a escuridão é um desafio, uma condição que parece trazer ao de cima, o nervosismo e ansiedade de um povo que se julga calmo e em constante meditação. O regresso começou com um engarrafamento descomunal para sair do que parecia ser uma mini-cidade. Depois, já em plena via rápida (acho que é uma designação mais ajustada à realidade que auto-estrada) e enquanto seguíamos a uma velocidade considerável, o condutor começa a abrir a porta e a espreitar para a roda de trás. Tendo em conta que aqui não se respeitam as distâncias de segurança, eu estava petrificada, a imaginar que a qualquer momento um dos muitos camiões que circulavam connosco, ia passar rente ao nosso carro e levar o condutor à sua frente. Começo a olhar à minha volta (éramos 4 dentro do carro) e claro que eu sou a única a exibir olhares preocupados. Claro! A montanha russa dura umas longas e ruidosas 4 horas de volta a casa. Uma técnica de navegação indiana é a buzinadela, que cumpre mais ou menos a mesma função que os nossos piscas, sinais de trânsito e aulas de código combinados. Como aqui os piscas estão destruidos, os sinais são praticamente inexistentes e a circulação pode fazer-se por onde quer que haja espaço (bermas da estrada, separadores centrais, outro lado do risco contínuo...), a navegação rodoviária é feita através da buzinadela. Aliás, todo os camiões têm pintado na parte de trás as palavras “Please Horn” (por favor, buzine). E nós buzinamos.
Uns metros mais à frente, passamos por um camião parado, com o eixo traseiro levantado do chão, dois homens sentados debaixo da viatura e uma fogueira ao seu lado, perigosamente perto do camião. Pergunto eu: Que se passa? “É um reboque.” Explicam-me, como quem fala com uma criança de 5 anos. “ E porque tinham uma fogueira acesa tão perto do camião?” insisto. “Para dar luz”. Claro.
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Hospitalidade concentrada
Hoje foi dia de fazer a vontade aos meus vizinhos mais novos, que diariamente me vêm bater à porta, e de aceder ao seu pedido "Please come to my home! " Claro que indo a casa de um, tenho que ir a casa dos outros todos e eles parece que se multiplicam. Hoje visitei 5 apartamentos no meu prédio, antes de conseguir fugir de volta pra casa. A primeira coisa que me ofereceram foi água, com em qualquer boa casa indiana. Seguiu-s uma catadupa de ofertas, que a determinada altura já pareciam mais imposições.
- "Food?"
- No.
- "Fruit?"
- No.
Veio na mesma. Vários tipos. Depois começaram as perguntas:
- "Married?"
- No.
- "We know nice boy"
- No!!
Com o crescer da confiança, começaram as fotografias, as comparações do tom de pele, os toques no dragão que tenho tatuado no braço, o aperto das minhas bochechas que pelos vistos são muito suaves... Depois as crianças começaram a apresentar-me os seus álbuns com desenhos que fizeram na escola. De seguida as mães queriam ir buscar os ábuns do casamento. E as primas, sobrinhas e filhas queriam vir todas cá para casa. No! digo eu. E toda a gente se cala e fica a olhar para mim com um ar muito sério como se eu tivesse proferido o maior insulto alguma vez falado. Lá expliquei que queria vir falar com os meus pais pela internet e marcamos a mostra de fotos para amanhã. E mais uma vez nos separamos com sorrisos sentidos e acenos de mão. Esta gente tem um poço inesgotável de felicidade guardado algures. Hei-de descobrir...
P.S. A partir de hoje sou Teresa Didi aqui no prédio, que é como quem diz irmã.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Uttarayan kyte flying festival
Curiosidades indianas
2º O arroto quando mais alto e ressonante, mellhor, a qualquer hora do dia e em qualquer local;
3º As prostitutas têm horário de trabalho: das 19h às 21h;
4º Os polícias de trânsito têm uns paus quase do tamanho deles, que usam para bater nos carros e riquexós quando estes não se mexem;
Macacadas
No Domingo passado, estou eu a descansar em minha casa, deitada no colchão que tenho na sala a fazer de sofá, a ver as minhas séries, no meu super computador, quando de repente, começa um imenso rebuliço à minha porta. Aqui nada é subtil, tudo é mais barulhento, mais estridente e a única forma de manter a sanidade mental é ignorar sinais que no outro lado do Mundo nos poriam em alerta. Portanto, para o Ruído de Domingo me chamar a atenção, foi porque atingiu decibéis incomuns para o que meus ouvidos já se habituaram a escutar nos últimos dois meses.
Levantei-me e fui espreitar pelo olho mágico da minha porta e vejo, sentado no corrimão, com um ar assustado(r), um enorme macaco. Um Senhor Macaco com cerca de um metro de altura, pêlo amarelado e cara preta retinta, de olhos esbugalhados e a mostrar ameaçadoramente os seus dentes. Todos os meus vizinhos estão fechados dentro de casa, com as janelas abertas, mas protegidos pelas grades, que aqui estão em todas as janelas independentemente da altura do piso. Um dos vizinhos tenta oferecer um tomate ao animal, mas ele está claramente assustado. Ao início ainda pensei que fosse o animal de estimação de alguém do prédio, mas ninguém assumia a responsabilidade por aquela besta. De repente, depois de mostrar os dentes mais umas vezes à sua volta, em dois grandes saltos, o macaco escapa para o terraço e desaparece de vez. Mais um banal domingo à indiana...
Porque a subtileza nem sempre funciona
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Abracos precisam-se
"This is not a letter but my arms around you for a brief moment" Katherine Mansfield 1888-1923
Mandem-me os vossos abracos para aqui
GSNP+ - Gujarat state Network of People living with HIV/AIDS
Above Tapi Medical Store, Modi Mohollo, Near Gaushala,
Ashwani Kumar Main Road, Surat 395008
India
domingo, 4 de janeiro de 2009
Quem quer casar com a carochinha?
Para quem procura o lado positivo das coisas, esta foi uma oportunidade de dar poder às mulheres que, desta forma, conseguem ter voz activa na escolha dos seus parceiros. No fim do dia, 5 casais decidiram casar-se.