sexta-feira, 31 de julho de 2009

Pormenores VIII e Até já

- Ontem ia comendo uma formiga preta, do tamanho de um avião que, não sei bem como, foi parar à borda do meu copo.
 
- O copo estava cheio de massala soda: uma mescla de Thums-up (a versão indiana de coca cola), sal, pimenta e sabe-se lá mais o quê.
 
- Mais uma prova de que estes indianos são loucos: ontem, ou melhor hoje, à uma da matina, uma pequena carrinha de caixa aberta, com um sistema de som montado na mala, foi em procissão pela minha rua, com cerca de seis pessoas a caminhar à frente da viatura. Música indiana aos berros. Porquê? Ninguem sabe...
 
Segunda-feira vou para mais uma conferência de voluntários, em Orccha, no estado de Maddhia Pradesh. Só volto quarta-feira, dia 12 de Agosto. Graças à presença de outros voluntários e à livre circulação de cerveja, não sei qual será a minha possibilidade de acesso à net. Por isso, nada de pânicos, por favor (ouviste Super Mãe?). Portem-se bem e até ao meu regresso.

O Bicho Papão

Ontem fui mais uma vez a casa da minha amiga V. Quando chegamos, o chão estava cheio das crianças que todos os dias lá vão para as explicações, mas também para gozar um pouco do carinho que os pais dela distribuem por todos os que entram pela porta.
 
Como de costume, sentei-me no chão e lá comecei as minhas tentativas de comunicação em gujarati. Passado alguns momentos, fui atender uma chamada para a porta da casa, já que dentro de paredes nao há rede. Enquanto estava de pé, a falar com a minha "chefe", entrou uma senhora, com uma criança mais pequena ao colo. Terminada a chamada, volto para o meu lugar. A recém-chegada criança estava sentada mesmo à minha frente e, como de costume, a olhar para mim de olhos bem abertos. Eu sorri. Os lábios do miúdo movem-se esboçando o que, na primeira fracção de segundo, me pareceu um sorriso. Bem enganada estava. A criança começa num berreiro como nunca antes tinha ouvido, a olhar para mim como se eu fosse o diabo encarnado em figura de gente. Nem a presença da mãe, nem o seu colo, acalmaram o petiz, que teve que ser imediatamente levado para casa, antes que furasse os tímpanos a todos os presentes.
 
Confesso que fiquei em choque por, tão claramente, ter sido eu o motivo de semelhante reacção. Parece que o meu charme não funciona em todos os indianos por igual.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Buracos na parede (ou Canalizações à Indiana)

É mais uma daquelas coisas que no início nos deixa a pensar "Esta gente é tola", mas a que depois nos habituamos. No entanto, nos dias em que a paciência anda a bater no vazio, voltam a irritar a alma. Talvez alma seja muito profundo, porque falo de canalizações. Aqui no escritório temos uma pequena banca para lavar a louça do chá e do almoço. Ao lado da banca fica o quarto de banho, com uma sanita indiana, ou seja, vamos-lá-testar-o-equilibrio-e-fazer-xixi-de-cócoras. Os problemas (para além do equilíbrio) são dois: 1º ao lado do cúbiculo da "sanita", um pequeno tubo sai da parede. Este tubo tem ligação directa ao ralo da banca. Portanto, podemos estar concentrados no equilíbrio e levar de repente, com um jacto de água suja a cair directamente para o calcanhar. 2º pela janela que fica atrá da sanita aparece outro tubo, que termina a meio da parede. Este vem de uma reserva de água algures no telhado do prédio. Quando a reserva enche, o excesso de água vem, tubo a baixo, directamente para o chão do nosso quarto de banho. Isto acontece quase todos os dias por volta das 16h. Com as chuvas do Monção, a descarga começa mais cedo e dura mais tempo. Portanto, uma ida ao quarto de banho aqui, envolve algum pensamento estratégico de antemão: preparar o equilíbrio, rezar para que ninguém se lembre de usar a banca quando estamos lá dentro, levantar o calcanhar/esticar a perna/ou outra coisa qualquer, para evitar que a água do telhado molhe a calça/perna/pé.

É claro que isto não me devia surpreender nadinha, tendo em conta que neste país, os quartos de banho nos comboios são buracos no chão da carruagem. Literalmente. Vemos a linha a passar lá em baixo...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Mais um sábado em Damão

Pormenores das ruas da minúscula cidade de Nani Daman, em busca de cerveja, galinha e vestígios portugueses...
Na rua Visconde de Ourém...

Entrando no Forte de Nani Daman, quase tudo o que está escrito nas pedras é português antigo.

Cemitério dentro do Forte cheio de campas com nomes portugueses.











Pelo Bom Português

Afinal Monção não é Monsão. Aqui a menina, mal guiada por tantos meses a falar inglês, traduziu o Monsoon para português com s, roubando o c e a cedilha do seu devido lugar. As minhas desculpas a ambos. O erro não será repetido.
Obrigada Gaba!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sonhos eclipsados

Lamento informar a todos os curiosos, mas o famoso eclipse solar aconteceu no Gujarat entre as cinco e meia e as sete da matina. Ora, como quem bem me conhece pode adivinhar, a essas horas estava eu a ressonar, qual bela adormecida rodeada pela humidade e moscas caracteristicas do tao falado Monsao. De qualquer maneira, com a quantidade de nuvens escuras que tem decorado os ceus de Surat nos ultimos dias, nao me parece que nem acordada conseguiria ver grandes alteracoes a luminosidade natural. A Fila presencia muita coisa, mas este episodio passou-me ao lado.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Foi você que pediu Monsão?

O dia esteve agradável. Um leve sol matinal até obrigou a levar os óculos escuros para o escritório. Depois, por volta das 17h, sem grande aviso, o céu começa a escurecer e a chuva começa a cair com a vingança de lhe ter sido negado espaço durante o dia. Em menos de dez minutos, a rua em frente ao escritório ficou transformada numa poça gigantesca, com água cor de lama. Depois de meia hora de espera dentro do escritório, sem que o dilúvio amaina-se, lá me aventuro para a rua, com o mantra "Vais-te molhar e vais, por isso mais vale ir mais cedo pra casa".

Os últimos metros até à minha porta, foram feitos encavalitada no que restava dos passeios, já que a rua estava intransitável, com água a dar pelo meio da coxa. Entrando na Raj Residence, deparo com toda a gente em rebuliço. Parece que há festa. No terraço. À chuva, claro. Depois de pousar as minhas coisas em casa, sigo a corrente de mulheres e crianças e subo as escadas até ao terraço do prédio, onde passamos o resto da tarde a atirar água uns aos outros, a olhar para o nível da água a subir lá em baixo na rua e a tentar comunicar em gujarati.

E é assim que os meus vizinhos indianos ganham mais um grande ponto positivo: não há temporal que desencoraje a boa disposição. Se chove há que fazer a festa, tanto como se faz quando está sol. Não há os queixumes ocidentais de "ai hoje está muito calor e ontem esteve muito frio". Quando o Monsão chega, a vida continua. Há que calçar os chinelos, molhar a perna e curtir a água, que o inverno também faz parte da vida.

Pormenores VII

Na zona chique da cidade,há uma Goushala, que é como quem diz, um lar de terceira idade para vacas. No espaçoso terreno, mantido pelo município, as vaquinhas vão passar os seus últimos dias, com todo o conforto possível, depois de anos a deambular pelas ruas da cidade.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Monsão a toda a força

Finalmente temos tempo que se pode apelidar de verdadeiro Monsão. A chuva ainda não parou desde que cheguei ontem e os meus colegas informam-me que tem estado assim nos últimos dois dias. Uma constante cortina cinzenta de chuva. Há momentos em que alivia um pouco, mas são pequenos descansos para recuperar o fôlego.

A vida continua como sempre. Os surtis parecem conformados que os próximos três meses serão passados entre diferentes estados de humidade. Nem sequer abrem o guarda-chuva na rua. Alguns usam capas de plásticos que os cobrem completamente, mas são poucos. Os vendedores continuam a observar os mesmos horários e as bancas continuam nos mesmos locais, com os mesmos vegetais de sempre, a serem lavados pela água que cai. Nada muda nesta cidade e o exotismo que me encantava, vai sendo levado pelos dias que passam, pela chuva que cai e pela vontade cada vez mais forte de partir para novas aventuras.

De volta

A minha ausência prolongada deveu-se à minha deslocação a Nova Deli para uma conferência. Dia e meio de workshop, 24 horas de viagem de comboio. Na India é assim. Tudo se move a um ritmo diferente e viagens de comboio de 12 horas são relativamente curtas, tendo em conta a dimensão do país e o tempo que tudo demora a fazer.

Estas conferências são como mini-férias para nós. Porque são organizadas pelo escritório central (e não pelas ongs locais onde trabalhamos) temos sempre direito a boas instalações, com alguns luxos: sanita, duche, cerveja e comida não-vegetariana todos os dias. Daqui a 15 dias temos outra numa cidade perdida no meio do estado de Madhia Pradesh. Mais quatro dias de viagens de comboio para três dias de conferência. Mal posso esperar.

Entretanto a contagem decrescente está a ganhar força. Já tenho os bilhetes de avião para o regresso. Dia 01 de Outubro, às 11h05 da manhã, aterro no saudoso aeroporto Sá Carneiro. A partida de Surat está marcada para dia 12 de Setembro, com uma passagem de 15 dias por terras australianas. 54 days and counting...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Há dias assim...

Ontem tive um elaborado pedido de desculpas em gujarati. Digo elaborado porque demorou bastante tempo. Não percebi um quinto do que foi dito, mas consegui entender a que episódio a minha vizinha se estava a referir: à valente palmada que me deu nas costas, em jeito de brincadeira. A mão pesada das mulheres indianas e o facto de elas me considerarem uma delicada mascote branca, foi o que originou o pedido de desculpas. Que terminou com muitos risos e apertos de mão.

A minha amiga D. voltou das suas férias, cujo principal objectivo era pôr as ideias em ordem. Durante os dias que passou na aldeia dos pais, leu um livro com alguns conselhos para uma vida mais feliz. Disse-me que a cada capítulo que lia, se lembrava de mim e das coisas que eu lhe tinha dito ao longo das nossas conversas. You are my real life happiness guru, rematou.

Monsão em part-time

Eu tinha uma ideia romântica que o Monsão na Índia seria algo de verdadeiramente assustador. Chuvas fortes, ventos daqueles que fazem pensar duas vezes antes de abrir a porta, dias em que a prisão domiciliária seria imposta pelo ameaçador nível das águas do rio Tapi, nosso vizinho, a poucos metros de distância.

Parece que a realidade é bastante diferente, menos dramática e mais contida. A fúria do Monsão já existiu, mas pelos vistos não é todos os anos. As alterações clmáticas também privam as estações de muitas das suas características mais típicas. Este ano, no Gujarat, o Monsão funciona a meio tempo. Durante o dia, temos um sol radioso, temperaturas altas (para não variar) e um nível de humidade no ar, sempre crescente. Ao final da tarde, o céu começa a escurecer e a parecer mais cinzento. De noite, temos festa. Há já duas noites seguidas que, a partir das 21h, começam verdadeiras tempestades tropicais. A primeira foi de raios e trovões. Fabulosos estrondos de luz iluminavam o céu. Às vezes eram brancos, como se alguém tivesse acendido uma gigantesca lâmpada fluorescente. Outras vezes, meio lilazes e até verdes. Deu para ver os raios desenhados no céu, como há já muito não via. Ouvi os estrondos dos trovões. Depois começou uma chuvada das valentes, que impedia de se ver um palmo à frente do nariz. Mesmo quando a chuva acalmou a trovoada continuou para animar os meus desejos de tempestade tropical. Estive o tempo todo, sentada em cima da banca da cozinha, a olhar pela janela e a bater palmas, como se estivesse a ver fogo de artifício no São João.

No dia seguinte, o sol radioso arrancou-me uns insultos logo de manhã. Afinal temos tempestade ou temos tempo de Verão? Os deuses que se decidam. Repetiu-se a cena do dia anterior, com o céu a escurecer ao final da tarde e com uma chuvada como ainda não tinha visto, acompanhada de rajadas de vento, que ameaçavam levar o plástico que temos a fazer a vez do vidro nas janelas.

Hoje de manhã mais sol. Mais insultos. Vamos ver o que a noite me reserva.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pormenores VI

No mercado: em baixo, encostada ao muro branco, fica a banca do meu vendedor de fruta habitual.

Companheiros de apartamento

Aqui, os "animais de estimação" que aparecem no meu apartamento são visitantes sazonais, variando consoante as estações. Quando cheguei, era a altura das baratas. Porque umas boas vindas a la Indiana até caíam mal sem baratas. Depois desapareceram (sem deixar grandes saudades) e vieram as aranhas, que felizmente são pequenas, fininhas e quase transparentes. Mantivemos as distâncias necessárias, houve alguns incidentes, mas já está tudo esquecido, sem ressentimentos quer da minha parte, quer da parte delas.

Depois vieram os pássaros que, mal se abre a janela, entram pela sala dentro e penduram-se na ventoinha. Ainda aparecem de vez em quando.

As pombas são convidadas residentes e dividem o telhado com os corvos. Aparecem às vezes para dizer olá.

Há umas semanas começaram a aparecer do outro lado da janela da cozinha estes senhores.

Pelos vistos, a luz que mantemos acesa é um chamariz para os insectos do outro lado do plástico (sim, as minhas janelas são de plástico), o que transforma o exterior da janela no local perfeito para a caça nocturna. Ontem, um dos rapazes apareceu sem cauda. Lá se deve ter metido em alguma alhada e pronto. Mas as miúdas gostam de cicatrizes...

Este meio-kilo mudou-se para o nosso super AP de armas e bagagens e não há janela aberta que o convença que a vida no exterior é melhor que na Raj Residence (nome do meu prédio). Na foto está com ar ameaçador e olhos de "eu já fui crocodilo há umas encarnações atrás", mas na realidade é mais pequeno que um dedo mindinho. Corre muito e não se consegue decidir entre a sala e o meu quarto. Se continuar por cá, arrisca-se a ser baptizado. Estou a pensar em Tobias, mas aceitam-se sugestões.
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