Sábado ao fim da tarde foi a altura dos convites. Primeiro, abri a porta a uma rapariga que tinha visto uns dias antes na sapataria aqui da rua. Praise the Lord diz-me ela em jeito de saudação. Depois, lê de um papel Do you wan to come to church with me tomorrow? Quando eu lhe explico que não frequento a igreja, um ar de incredulidade fixa-se-lhe na cara. Se eu tivesse dito que tinha acabado de chegar de Marte, acho que a reacção teria sido a mesma. Toca a pegar no telemóvel e a ligar ao pastor, que felizmente fala um quase perfeito inglês. Lá volto a dizer que, apesar de ser branca, não sou crente. Ele diz que não faz mal e pergunta se um dia destes pode vir a minha casa com a mulher dele. Claro que sim, do que eu mais gosto é de ser evangelizada e ainda não tive essa experiência na Índia.
Minutos depois, bate-me à porta um rapaz, primo de um vizinho meu. Traz um convite de uma sociedade (como aqui chamam aos conjuntos habitacionais). Domingo há uma cerimonia de entrega de prémios às crianças que tiveram notas acima da média nos exames nacionais e gostavam muito que eu estivesse presente, como convidada. No dia seguinte, à hora combinada, sigo com o meu colega para o espaço onde decorreria a cerimónia, cujo começo estava marcado para as 15h30. Chegamos e o salão está quase vazio. "Isto é a India, não é Portugal" explica-me o Prakash, o que quer dizer que são 17h30 quando começam os primeiros discursos. O palco está cheio de homens indianos, sentados em cadeiras de plástico... e eu: a única mulher e a única branca no meio dos cerca de 30 convidados.
Fico bastante surpreendida quando me convidam para participar no momento religioso que antecede qualquer evento aqui: depois de uma breve canção, as personalidades de maior destaque presentes, acendem uma vela num suporte metálico dourado, colocado em frente a uma imagem de um deus. Um pedido para que tudo corra bem. Quando volto para o meu lugar, o cirurgião que está sentado ao meu lado, explica o que eu já tinha reparado, que na India dá-se uma importância muito grande aos estrangeiros. Quando lhe pergunto porquê, ele parece um pouco confuso, mas passados uns minutos escreve umas palavras em sânscrito, que traduz: Guest is our God. Estou esclarecida e confesso que um pouco vaidosa. Ser deusa por uma tarde não é nada desagradável. Recebo umas lembranças, faço um pequeno discurso para o mar de caras sentado no chão à minha frente: mulheres à esquerda, homens à direita. Estão presentes mais pessoas do que as que consigo contar. Só crianças são perto de mil, que vêm acompanhadas pelos pais. Tento incluir nas minhas palavras a deixa da importância que os pais têm na educação dos filhos, nomeadamente das raparigas (há muitas que não permanecem na escola porque os pais não deixam). Mas as caras continuam a olhar para mim de boca aberta. Mesmo quando ouvem a tradução para gujarati do que disse, a reacção é um olhar de espanto. Parece que o meu fugaz estatuto de deusa prejudica qualquer conteúdo que eu queira transmitir. Limito-me à minha função de ídolo e distribuo sorrisos e confesso que tenho pena quando chega a hora de me ir embora. A minha divindade não se traduz na rua e os condutores de riquexós teimam em não parar...
segunda-feira, 22 de junho de 2009
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2 comentários:
Até tenho pena do pastor quer ir a tua casa! Ela não sabe no que se vai meter..
Beijinhos
Mummy
Pois...querida deusa à força, espero que te mantenhas saudável, nessas convicções!
É sempre muito complicado ser humano...e exclusivamente humano!
Desta vez, um abraço bem humano!
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