segunda-feira, 29 de junho de 2009

Luto

A calmaria de sexta-feira à tarde no escritório, foi interrompida por uns gritos que vinham da rua. Parecia discussão de mulheres e eu deixei-me ficar sentada, até que um colega meu me chamou até à porta, para ver o que se passava. Num dos passeios, um grupo de cerca de 20 mulheres, com sarees simples e de cabeça coberta, chorava, batia no peito, abraçava-se. Alguém tinha morrido e esta é a expressão do luto das mulheres. Na religião hindu, os corpos não são enterrados, mas cremados e as cinzas são lançadas ao rio. As mulheres não podem ir até ao crematório, pelo que lhes resta como única expressão de pesar, ir para a rua e chorar em público. O meu colega explica-me que a sociedade está a mudar e em alguns casos já se permite que as mulheres vão até ao crematório e que participem completamente nas cerimónias fúnebres. Isto acontece quando por exemplo, morre uma criança. Se for filha única, pode permitir-se que a mãe acompanhe o corpo até ao final. No entanto, isto apenas sucede nas famílias com mentalidade mais progressista. Nas castas mais tradicionais, as regras pelas quais as mulheres se têm que regir durante o período de luto são muito severas. Principalmente para as viúvas, que em alguns casos são remetidas para uma parte separada da casa e nunca mais podem conviver com o resto da família. Ficam enclausuradas. Para o resto das suas vidas.

Mesmo nas castas menos tradicionais, há imensos adornos que as mulheres usam e que lhes são proibidos após a morte do marido, como usar o bhindi (a pinta no meio da testa) ou jóias em ouro. A expressão mais radical do que, para mim, é a negação do direito a existir da mulher, é o sati, uma prática na qual a viúva, quer voluntariamente, quer por força, é imolada na pira funerária do marido. O sati é proibido por lei, mas ainda praticado em alguns locais mais remotos e tradicionais, onde as mentalidades teimam em mudar. Mais um testamento do facto do estatuto da mulher ser quase exclusivamente definido pelo homem com quem partilham, ou não, a vida.

4 comentários:

eduardo disse...

Sinceramente pensei que determinadas práticas que sempre achei estranhas, já tivessem postas de parte. Infelizmente isso não corresponde à verdade.

VagaMundos disse...

São praticas que para nós europeus são de facto chocantes. Mas da mesma forma deve ser para eles chocante a forma como nós lidamos com a morte.
bjs

Queiroz disse...

Pasmei com a tua descrição.
A cremação parece-me uma prática bem aconselhável...sem cinzas para lado algum, de preferência!
Quanto ao sati não o consigo entender...nem julgo que haja correspondência nas sociedades primitivas.
Julgo curiosa a relação de proximidade das mulheres nesta situação de luto, quando os aglomerados costumam ser mais masculinos!
Beijinhos com uma noite de calor...por cá!

Helena Almeida disse...

Goi!!
Já conhecia a tradição da imolação por esses lados. Decididamente não tenho alma indiana...
Mas é interessante como o conceito das nossas carpideiras consegue ser universal. Há muitas comunidades que "precisam" de mostrar publicamente o seu sofrimento/luto. Estou a lembrar-me dos ciganos, dos povos do Médio Oriente e, porque não dizê-lo, qualquer pessoa que tenha uma câmara de TV à frente.
BEIJOS!!!

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