sábado, 29 de agosto de 2009

Pormenores IX

Com excepcao das chuvas e da musica a bombar ate a meia noite, em honra do Ganesh, nao ha muita coisa a acontecer em Surat nestes dias. Preparativos para a partida, horas a olhar para o calendario, uma ultima visita a Damao, canalhada a gritar na rua por causa da chuva... e pouco mais. Por isso, para nao matar a Fila antes da sua horinha, os proximos posts serao sobre pormenores da minha vida suratina. Comecamos hoje com a fabulosa aventura do mehendi no cabelo...

Aqui, para alem de se usar o mehendi para fazer desenhos nas maos e pes, a pasta de ervas tambem e aplicada no cabelo. E uma especie de solucao indiana para as brancas e que resulta em alguns fenomenos engracados, como homens a passear na rua com cabelos e barbas cor de laranja vivo. No cabelo negro das mulheres, o mehendi passa mais despercebido. Claro que eu tinha que experimentar como ia o meu cabelo europeu reagir ao mesmo tratamento. E foi esta a louca sexta-feira a noite que passei ontem (note-se a ironia do tom).

Comecei por comprar o pacotinho com o po na loja que fica por baixo do escritorio. 15 rupias (cerca de 0,20E) compram o suficiente para cobrir os longos cabelos das indianas, o que para mim chega e sobra.



A preparacao e um bocadinho mais demorada que as tintas da L'Oreal que se compram no Continente (e que o Tapi Medical Store tambem vende). Comeca-se por por o po de molho durante 2 a 3 horas, o que resulta na pasta mais viscosa e nojenta que se possa imaginar.



Depois aplica-se a lama no cabelo e deixa-se repousar outras 3 a 4 horas. Para jogar pelo seguro, esperei so 2h30. Retira-se com agua. O unico problema e que nem depois de lavar o cabelo com champo e aplicar amaciador generosamente, me livrei do cheiro desagradavel do mehendi. E as minhas maos ainda hoje estao cor de laranja. O resultado nao foi tao mau como estava a espera, mais ruivo muito escuro que laranja assustador. Mas isso fica para ser contado nos proximos capitulos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O grande festival de Ganesh

Desde a semana passada que esta a decorrer em Surat, o Grande Festival de Ganesh (nome oficial!), o deus da prosperidade e da remocao de obstaculos. As celebracoes decorrem durante 10 dias, especialmente de noite. Os surtis saem para a rua e festejam em torno de carros (uns mais sofisticados que outros), com a imagem do deus trombudo e musica em altos decibeis. A chuvada de ontem e hoje amainou os festejos, que com certeza serao retomados, a tempo do grande final, quando todas as estatuas de Ganesh, adquiridas ao longo destes ultimos dias, grandes e pequenas, serao atiradas ao rio... Numa cidade de quatro milhoes de habitantes, imaginem os efeitos no ecosistema. Mas adiante que aqui, contra a religiao, nao ha natureza que aguente.

O nosso predio tambem tem um pequeno altar, improvisado num espaco no res do chao, onde o deus esta sentado, a frente de uma cortina vermelha e rodeado de grinaldas douradas. Todos os dias desta semana, de manha e a noite, um pequeno grupo de criancas vai a todos os apartamentos, com uma bandeja com uma chama, uns paus de incenso e umas moedas. Passamos a mao direita num movimento circular por cima da chama, depois no mesmo movimento, por cima da nossa cabeca. Recebemos ainda uma pequena porcao da prassad, a oferta de comida que se faz aos deuses. Hoje foram sementes de sesamo com cubinhos de acucar. E bom comecar a manha abencoada pelo deus da properidade. A minha colega e que ainda nao se rendeu aos beneficios da bencao e tranca-se no quarto quando me ouve abrir a porta da rua as criancas. Va la alguem perceber os escoceses...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Uma rapariga cheia de sorte

Sou eu! Cada vez me convenco mais que sou mesmo uma rapariga cheia de sorte. Senao, como se explica que uma segunda-feira que tinha comecado tao mal, terminasse tao bem? Primeiro foram os telefonemas dos papas, que animam sempre a alma. Depois foi a anedota da conversa que tive com as tres pessoas que partilharam o riquexo comigo, desde a estacao de comboios ate casa. As pessoas ficam tao contentes quando me ouvem tentar arranhar o gujarati, que ate a viagem mais acidentada se torna numa festa. Depois foram as festas ao cao do dono da leitaria. Por motivos de seguranca na saude, todos os voluntarios levam uma senhora ensaboadela no treino que temos em Nova Deli quando chegamos, para os perigos da raiva, de ter animais e de fazer festas aos caes vadios. Mas este nao era vadio, estava preso por uma trela, era lindo e sorriu para mim e piscou-me o olho. Verdade! La estive em mais conversa com os homens da minha rua, a fazer festas ao Raja (o cao). E ainda, depois de tudo isto, foi entrar no meu predio e encontrar as senhoras no 2 andar, sentadas no meio do corredor a cortar os fios dos saris. Quando pego na minha maquina fotografica, comeca a histeria da canalhada e la tivemos mais uma boa meia hora em sessao de poses, sorrisos e maluquices. Sou ou nao sou uma sortuda?




domingo, 23 de agosto de 2009

Dia nao

Ate na India se sofre do sindrome de Segunda-feira negra. Nao consigo ligar o meu portatil a net, metade do teclado deixou de funcionar, o unico computador livre no office nao funciona direito, logo nao posso fazer NADA. Mais um senhor teste a paciencia e ao auto-controle, para nao desatar aos gritos...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Mercado Têxtil

Ontem fui com a D. ao mercado têxtil. A partir do momento em que descemos do auto-riquexó que nos levou até à rua principal, pareceu que entrámos numa zona de guerra. O mercado têxtil fica numa das zonas de maior tráfico da cidade. Surat tem duas grandes industrias: polimennto de diamantes e texteis sintéticos, portanto grande parte dos quatro milhões de habitantes da cidade, trabalham nesta zona. A quantidade de carros, motorizadas, bicicletas e riquexós carregados até ao limite com pacotes de panos, que circulam na estrada principal, é assustadora. Mas ainda pior são as pequenas artérias que cortam o interior do mercado. Ruas estreitas, com o pavimento completamente desfeito, esburacado pelos milhares de pés e rodas que diariamente o percorrem. Os veículos vêm de todos os lados. As pessoas também. Todos homens. Os tecidos são transportados de todas as maneiras: às costas dos homens e rapazes magricelas, que levam uma carga quase do seu tamanho; em carros que parecem de bois, mas têm rodas de plástico e são puxados por um homem; em riquexós adaptados com uma estrutura metálica no tecto, mais comprida que o veículo e carregada de tal modo, que não há suspensão que aguente. As artérias secundárias, onde fomos parar primeiro, meias perdidas, são ocupadas pelos armazéns. Nas poucas artérias principais ficam as lojas, em galerias sujas e cheias de retalhos no chão. Uns estabelecimentos são pequenos, com os tecidos empilhados do chão até ao tecto em estruturas metálicas. Outros são maiores, equipados com ar condicionado e com prateleiras. Nestes não entramos, que o dinheiro não dá para tudo.
 
Com o cair da noite, os trabalhadores dos armazéns saem para a rua e parece que o caos se adensa. Não vale a pena remar contra a maré: temos que escolher bem a nossa direcção antes de sairmos da loja para o passeio e deixar que o mar de gente nos transporte. As raparigas convém que levem as mãos estratégicamente posicionadas porque os toques com as costas das mãos nas coxas, rabo e peito são muito frequentes. E há astúcia no atrevimento: ao princípio pensa-se que é pela quantidade de pessoas que circulam em tão pouco espaço, mas passado alguum tempo, começa a ser coincidência a mais que todos os toques incidam sempre nas mesmas zonas.

É um alívio quando finalmente saimos para a rua principal. O trânsito continua impossível, mas a ausência dos grandes armazéns de ambos os lados da rua e o facto da avenida ser mais larga, dão a sensação de mais espaço. Também com o esgotar da paciência, o sorriso desaparece-me da cara e começo a empurrar quem quer que se atreva a aproximar, de braços soltos e mãos preparadas. A minha cara de poucos amigos parece convencer algumas almas e o caminho faz-se melhor. Pelos vistos, atitude não precisa de tradução.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

De comboio até Damão

Este foi um fim de semana prolongado, com um acumular de dois feriados: o aniversário de Krishna na sexta-feira e o Dia da Independência da India no sábado. Eu e a minha colega fomos até Damão, mais uma vez, onde dormimos de um feriado para o outro. Estávamos à espera de muita festa nas ruas, celebrações e fogo de artifício, mas o máximo que vimos foram umas bandeirinhas de papel coladas nas janelas dos estabelecimentos e verdadeiros cortejos de homens, que se dirigiam em magote para os bares da cidade. No porto em frente ao forte, estavam alinhados e embandeirados, uma série de barcos de madeira, que mais uma vez me fizeram lembrar as terras nortenhas de Portugal (faltam 26 dias...). E foi assim. Desta vez, ficam mais imagens dos tradicionais comboios indianos.


No comboio de Surat para Vapi, a estação mais próxima de Damão. Os poucos kms entre Vapi e Damão foram feitos num taxi partilhado: um Ambassador velhinho, preto e amarelo, com a suspensão a chorar em cada curva e a raspar no chão em cada buraco. Lá dentro eramos nove, condutor incluído.



Sentada num banquinho de pedra a ver os barcos no mar e a mostrar o sapatinho novo, punjabi style.






Já no regresso, dentro do comboio. Aqui todas as janelas têm grades de ferro, quer seja nos prédios, quer seja nos comboios. Porquê?




A estação de Navsari (lê-se naussári) onde estivemos paradas uns largos minutos a jogar o onde está o Wally, mas à procura de mulheres. Parece que em dia de festa só eles é que saem à rua.


A gozar o ventinho bom do comboio em andamento. Nos lugares baratos não há ar condicionado.


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Fortes, piscinas e marajás

Estou de volta, em estado de histeria quase completa visto só faltarem 30 dias para abandonar esta cidade poeirenta. Sei que ainda me vou arrenpender de tanto maldizer, mas neste momento as saudades de ambientes mais familiares falam mais alto que a Índia.

A conferência em Orchha foi fenomenal. É uma grande motivação e alento encontrar outros voluntários, trocar ideias, lamentos, histórias de horror, risos e, felizmente, muita cerveja. O hotel era de sonho, construido pelo neto do último Marajá ali da zona, que ainda carrega o título do avô. Conhecemos o senhor: nada de turbantes, nem de chinelos pontiagudos, apenas um homem normal, com um sorriso pacífico, uma barriga protuberante e uma cultura geral fora do que é habitual encontrar por aqui. O hotel, para além de pessoal super simpático, tinha uma pequena piscina mesmo à saida do meu quarto, o que me permitiu passar longas horas de molho. Numa das noites em que tivemos uma pool party, estive 5 horas dentro de água. Depois de quase 30 anos a viver com o mar sempre perto do horizonte, o corpo sente falta de se emergir.




A cidade era deliciosa. Muito pequena, mas com uns templos e um forte que atraem bastantes turistas, o que permite que se estabeleçam algumas lojas com artigos mais tradicionais, que não se encontram em Surat.




Uma dessas lojas é propriedade de um senhor do Gujarate, Bahadurbhai, com quem troquei umas palavras na sua língua natal. Resultado: tive direito a ver as fotos da família e a ir almoçar a casa dele no dia seguinte, uma refeição deliciosa, preparada pela sua sempre sorridente esposa. No final do almoço, já eu lhe chamava Bapuji e ele oficializava a minha adopção com um "agora tens que voltar cá, porque tens família em Orchha".



No dia seguinte fomos visitar o forte. Os fortes das cidades indianas são dos locais mais encantadores que já visitei. Já em Portugal gosto muito de ir aos castelos, porque tenho a impressão de entrar literalmente noutra época, em que elfos, duendes e cavaleiros andantes eram reais. Aqui a sensação é semelhante, mas o cenário é mais exótico. As pedras não são do granito cinzento, coberto de musgo português, mas são claras como areia e imponentes.



O forte de Orchha tem imensos recantos, escadarias, varandas, pátios... enfim, espaços onde nos podemos perder durante horas, com a mente a viajar por fantasias de outros tempos. A sensação é ainda mais intensa se se tiver a sorte, como eu tive, de visitar o espaço numa altura em que este estava quase deserto de outros turistas.






Este forte tinha a peculiaridade de ter um anexo chamado Camel House. A explicação à entrada do edifício deserto era bastante curiosa, já que os historiadores se dividem quanto aos usos que a casa pode ter tido e que vão desde uma pouco original estrebaria de camelos (se bem que o nome pode ter vindo do desenho das portas, que parece o contorno de um camelo gigante) até um Pavilhão do Prazer. Fica à imaginação de cada um.

Com o pavilhão do prazer a meus pés (sim, estou no telhado da Camel House, acessível através de umas escadas de meio metro de altura cada degrau).


O regresso "a casa" foi feito num desconfortável comboio onde estive sentada/deitada durante 22 horas, com olhares perscrutadores, crianças a chorar e a música no mp3 quase sempre a tocar, na tentativa de abafar os ruídos da India do dia a dia, menos encantadora que as fantasias que deixei para trás.
Todas as fotos neste post são da autoria de Louise Creber / All photos in this post by Louise Creber.
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