domingo, 15 de março de 2009

Domingo de manhã

"Podes esperar aqui 5 minutos enquanto eu vou lá em cima."
Estávamos à entrada de um prédio numa zona pobre da cidade. Tinhamos passado pela rua com o cheiro mais vil que encontrei durante esta minha estadia e estávamos agora rodeadas de prédios com grades em vez de janelas, sem portões de entrada e com pintura feita de manchas de detritos que nem quero adivinhar de onde vieram. A minha insistência em entrar não foi só movida pela curiosidade de ver como seriam os apartamentos. Não me apetecia nada ficar sozinha à entrada, alvo parado dos olhares curiosos a que ainda não me habituei completamente.

Lá dentro, o prédio é tão mau como anunciado. O lixo amontoa-se nas escadas. Nos pátios interiores, há cabras a comer mais lixo. Não imagino quantas pessoas devem viver naquele bairro, mas serão muitas. Cada andar tem uma estrutura em epinha: um corredor central com aberturas para os pátios que lhe dão alguma luz; braços para a esquerda e para a direita onde vivem os habitantes do bairro. A estes corredores, nem o sol das onze da manhã que brilha lá fora, consegue trazer luz. Seguimos por um. Como em todos os prédios indianos, as portas de todas as casas estão abertas. As pessoas estão cá fora. Mas aqui, os pertences dos habitantes também descansam no corredor: armários, cobertores, cadeiras e sacos plásticos. Quando finalmente entramos no apartamento da tia da minha colega, percebo o porquê do armazenamento em público. O espaço é exíguo, uma sala apenas sem mais divisões. A cozinha é um balcão num canto. Aqui vive um casal, com os seus dois filhos e a avó. Mais uma prova (desnecessária) que o conceito de privacidade não pode existir. Como sempre a hospitalidade é irrepreensível e sincera. Os curiosos juntam-se à porta. Tenho direito a sentar-me na unica cadeira de plástico que existe. Fazem-me perguntas e conversamos um pouco. Eu procuro tristeza nos olhos das pessoas, mas não consigo encontrar. Também não vejo felicidade. Talvez o reflexo da resignação. Ainda não sei. E enquanto tenho estes devaneios filosóficos, com o gujarati das conversas familiares como música de fundo, inclino a cabeça para trás para dar um gole na bebida que me ofereceram. Vejo um rato a correr pelo beiral da parede, junto ao tecto.

Sinto algum alívio quando voltamos para o exterior.

4 comentários:

Anónimo disse...

Meu Deus como é possivel viver assim! Ainda nós nos queixamos. Bjs Mãe

Queiroz disse...

Pois...a tua experiência por melhor narrada que seja ficará sempre nesses momentos que nunca mais escaparão.
A tua descrição deixou-me a pensar:"Talvez o reflexo da resignação. Ainda não sei."
Tenho alguma preocupação com a capacidade de resignação e adaptação do ser humano...abre muitas portas e nem sempre transparentes!
Beijos

eduardo disse...

Como é que consegue viver assim... Bem sei que não estás na Europa, dita civilizada... mas há limites.

Teresa Calisto disse...

Queiroz, acredito que é essa capacidade que impede revoluções e mudanças. O que pode ser bom, para manter a convivência calma e tranquila. No entanto, acho que não há tranquilidade que valha determinados níveis de aceitação. Às vezes é mesmo preciso pôr a mão na anca.

Creative Commons License
Em Fila Indiana by Teresa Calisto is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Portugal License.
E voce, blogaqui?
Directorio de Blogs Portugueses